09/10/2009

Nina


...E não teve coragem de arremessar os pratos pela janela, mas sua vontade era quebrar a casa toda. Talvez assim quebrasse também os sonhos, as promessas que de fato nunca foram feitas, a esperança que há tanto lhe atormentara a mente.

Dessa vez nem era preciso muito tempo, outra porção desse fantástico e cruel emplasto apaziguador. Organizava as roupas dentro do armário, ouvia um blues no último volume e fumava cinicamente um cigarro de cada vez sem o velho receio de que o cheiro impregnasse tudo. Não se atentava aos sentidos de outrora a não ser aqueles de que precisaria para estar ao lado dele novamente. Lá fora a chuva caia em tons ensurdecedores, raios, relâmpagos, trovões...Nina se assustara ao ver que o telefone havia tocado justamente enquanto esteve no metrô. Uma, duas, três dúzias de chamadas perdidas, a mãe, a amiga, o gerente do banco, o terapeuta desmarcando a próxima sessão...o mundo emfim, mas seu tormento nada. De quem seria aquele número restrito às duas e quarenta e sete?
Tudo o que tinha agora era essa estranha e amarga esperaça de tudo se acertar... Anos se passaram, muita coisa aconteceu e cada gesto inútil na tentativa de arrancá-lo do seu coração jamais adiantou. Uma icógnita, um enigma lhe afrontava; o que teria ele de tão especial?
Essa era a eterna pergunta sem resposta. O amor resulta sempre da "não explicação", é qualquer coisa no jeito, qualquer coisa no gesto, um modo de sorrir ou a suavidade do toque das suas mãos...
Tropeça num sapato, arranha os dedos e nem sente a pele levantar. Talvez em breve o próximo escarpin com bicos finos lhe avise num momento trivial. A campainha toca, o coração dispara, a vista se embaralha, mãos trêmulas em busca da chave no fundo da bolsa. Espasmos, suores e o grito seco:

_Já vai!!!!
Um infinito invade sua cabeça nestes vãos segundos...Encontrado o chaveiro dá-se conta de que alí, a diante apenas o porteiro vinha lhe entregar as pilhas de correspondências, tudo mala direta, um punhado de contas a pagar e sua maior dívida consumindo-lhe o sangue pelas veias: recriar os dias do passado sob a ótica madura do presente.
Fecha a porta educadamente, abaixa as persianas e se joga num mergulho vertical debaixo d'água. É quinta-feira e ela sabe que esse dia não é dia de resolução. Dessa vez tem feriado prolongado e a angústia mesma aguçando o desejo de que tudo se resolva num instante.



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