16/09/2008

"O mundo começa agora... Apenas começamos"

Salvador Dali - Metamorfose de Narciso

...então eu lhe acariciei em silêncio e vi seu corpo estremecer. Ele me disse que viu a própria alma ausentar-se do corpo para dizer-lhe coisas estranhas. Estranheza para a mente dele é saber que meu calor vem recheado de frases que engulo a seco, permeadas de assombro do silêncio dele. Tem no meu olhar a ternura de quem vê um homem desnudo e vulnerável, na mais desprotegida das formas entre meus braços de amante e meus seios de mulher de alma. Tudo o que eu faço tem a ressonância dos versos dele, minha canção é a musica da alma dele, meu gesto tem o traço dos encantos dele, meu vazio tem o som da fala dele. Era tremor, susto, espasmo... eclodindo numa energia demasiada forte para que um de nós estivesse ali. Tudo me parecia exacerbadamente verossímil , ele hesitando em dizer que não me contaria, eu astuciosa na curiosidade feminina implorando para que as palavras elucidassem algo... Mas ao ouvir o esperado desfecho um ceticismo mórbido ocorreu-me instantaneamente, a descrença numa desgraça ainda maior na própria vida, além do desamor já não me abala mais. É isto que justifica todas as catástrofes, o mundo contemporâneo se perdeu em seu próprio vazio e já não somos mais capazes de humanizar uns aos outros. Se há alguém acima de nós está se divertindo muito com as nossas pequenas desgraças para querer findá-las numa ação apocalíptica. Ainda não concluí metade dos meus propósitos, ainda não perdi um ente muito querido, ainda não quebrei uma parte do corpo, ainda não usei as drogas que queria , ainda não vivemos a completude do amor ... e é por isso que eu digo a ele: eu acredito em tudo o que me disse, mas não, o mundo não há de se acabar...

02/09/2008

Cuidado: Piso molhado.

Parece que tem sempre um sinal alertando agente para não cair, tem sempre uma placa, um tapete, um triângulo, alguma coisa. Estamos simplesmente tentando seguir adiante, parece tão simples, mas temos obrigatoriamente que atravessar pro outro lado. Estamos tentando, e me questiono se é mesmo isso, se diante da placa os nossos olhos são capazes de mirar o chão afim de verificar a veracidade da mesma ou o esquecimento de algum funcionário. Me questiono quantas vezes desviamos do caminho simplesmente porque havia uma placa, embora as peripécias dos trópicos nos concedessem pisos secos em poucos minutos e nos garantissem trânsito seguro rumo ao nosso destino final. Porque é necessário vislumbrar além, é necessária a visão panorâmica, posto que somos tão racionais. É necessário assumir os riscos das nossas escolhas, ainda que cair signifique aprender a levantar. Sem os riscos perdemos tempo em vão, talvez alcancemos o mesmo destino, mas a obviedade do conforto pode nos privar da aventura da transgressão. É necessário transgredir, descumprir normas, protocolos, ignorar as placas afim de ver o que acontece. É dessa sensação que se nutriram os gênios, da não observância do ponto em foco no todo. É necessário ousar, afinal o que seria de nós sem as chineladas pelos banhos de chuva? E também das fábricas de aspirina... O que seriam das nossas lembranças sem um porre na adolescência ? E dos ombros sinceros dos melhores amigos...O que seriam dos bons amantes sem um carinho inesperado na via pública? E do silêncio na vizinhança... É necessário cair, estar vivo é sentir dor e se não tem gelol que cure agente corre pro analista, mas sem a queixa de ter estado atônito, débil e mediocremente parado diante da placa.