26/10/2009

Desalento.

(Picture by Egon Schiele)

...e tive por certo muito carinho e atenção, na fugacidade dos meus desencontros aceita-se tudo. Ecoava do som das ultimas linhas do bilhete.


Era setembro e o cinza dos dias acabava sempre em temporal. Naquela manhã Tina sentiu o abismo das horas passarem ainda mais devagar... O cheiro remanescente no travesseiro trazia consigo frases amargas a cortarem-lhe o peito, como um faqueiro de lâminas afiadas que fatiavam a dor em pequenos pedaços para maior deleite de seu algoz. Sentia cada gota de sangue que transitava expressamente por suas veias entorpecidas pela dose de mais um anti-depressivo. Vermelha era a cor da cápsula, talvez pra combinar com o púrpura da mala que havia partido dali levando consigo qualquer esperança de consolo e aconchego. Foi-se embora e levou tudo.
A casa repleta de móveis e utensílios parecia mais confusa e desabitada do que nunca, os livros na estante desordenados e cheios de pó, o cheiro fétido da geladeira que há tanto deixara de ser visitada, as pilhas de roupas espalhadas pelo chão cheirando a cigarro e bebida, o monte de cd's que embalaram a última noite de amor como um script de silent hill diante da tela fulmegante da tv. Olhava pra tudo com desdém, no que mais poderia pensar diante do quadro em que se encontrava? Tudo ao final é sempre uma despedida.
E pensava que a vida havia lhe ensinado a lidar com as perdas, mas estava sempre diante da mesma lição, vai, não faz, repete, reprova. Sem substitutivas, a nota é zero. Nem quatro e meio véspera de cinco semi-aprovação, nem três, o mínimo suficiente para fazer uma nova. Sem chances de dar certo. O zero não é simplesmente o nada, é o "não" de cada dia quando volta pra casa e toca a campainha antes de abrir a porta, mesmo sabendo que do lado de dentro não há ninguém. É entrar no elevador e não se lembrar de qual o andar onde mora, esquecer-se de si lembrando da sombra de alguma coisa do passado ou projetando futuros que nunca serão mais do que meros devaneios. Sobre a mesa, na sala de estar o bilhete, ao seu lado o gosto amargo da despedida lhe escapando pelas vias estomacais. As lágrimas secas e a pele fria recusando a banhar-se e deletar de vez o doce aroma e o toque dele. A noite seguinte dormiria sozinha, o arrastar dos ponteiros em cima da parede atormentava mais ainda seu olhar letárgico e o desejo de que tudo aquilo lhe pusesse fim.
E lembrou-se que era dia de visitar a mãe, dia de usar o velho sorriso de plástico, o bom repertório de frases feitas e sem sentido. Levanta-se do chão, passa os dedos por entre os cabelos curtos simulando um falso rabo de cavalo, esfrega os olhos lentamente e dirige-se ao banheiro onde finalmente diante do espelho figurará seu rosto sob uma expessa camada de maquiagem.

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