07/10/2008

Entreatos...

Eros e Psique - François Gérard


A pele traduz a legenda do que não diremos jamais...
Me sinto mal acostumada, traduzir sentimentos em ações, requer dicionário de alma desses profundos e auto-descritivos, teimosos, do tipo que constroem sua própria semântica afim de corrigir os desacertos da mudez. A energia gasta para manter-se de pé vem da crença na própria natureza, se planta, se rega, se nutre e paciente como quem observa as estações do ano e respeita a cronologia do ciclo da vida, torna-se contemplativo e sábio a esperar o dia da colheita. Quando o corpo, por qualquer desacerto sai de cena para cuidar de si a mente desconfia da sua eficácia, o coração sorrateiro parece que nunca entende nada direito, brinca como criança no jardim das memórias que ousara sonhar, projetando-se numa falsa redoma magnética capaz de protegê-lo de todo o mal. Pobre coração... alimenta-se de ilusões hiper calóricas, cresce em progressão aritmética, mas torna-se fraco, frágil e bobo, feito criança no final da fila. Não sabe de si, não sabe do mundo, sofre quietinho sem fazer barulho, não quer incomodar, mas não aprendeu a existir sem doer. O cérebro, mais poderoso, ajeita tudo, põe as coisas no lugar e organiza o dia seguinte, a semana seguinte, o mês seguinte... Suas tabelas, gráficos e projeções são otimistas apesar das oscilações. Viver segue as tendências do mercado, o mundo nos afeta mais do que supomos. Aceito o mundo, mesmo não aceitando nada do que tenhamos feito com ele, não brigo com a vida, brigo com vida, pelo direito de torná-la muito mais do que uma “sobre vida”. Luto pelas coisas que acredito, utopicamente, mas não incessantemente. O excesso de humanidade me cansa, mas a incapacidade de ser diferente me mantém de pé.

Um comentário:

Cel Bentin disse...

Fechamento de ouro! Imagem de novo certeira. Só retiraria aquele pobre coração, senti meio destoado da pegada do todo, não semanticamente, mas na casa do estilo. Sinto, inclusive, pélo final, que "pobre", assim como o inferno, são os outros.

E em tempo: de fato, não é à tôa que nudez e mudez pintam rima sonora. Uma sonora só pra mils significados afins.

Você tinha de unir os brinquedos pra publicar, queridona!